segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Cronicidades 7

No Verão...Um Licor Beirão

O autor deste blog é alentejano, tem a mania de deitar-se nas curvas e tem tido algumas ultimamente. Não, é antes algarvio e inconstante, para não dizer pouco confiável. Ou se calhar é transmontano e disse que já que isto não mudava voltava para a terra. Vem tudo isto a propósito dos beirões... E devemos escrever estes substantivos colectivos com letra grande ou não? Creio que sim mas e se o Estado estiver no mesmo texto, como se distingue uma coisa da outra?

Todos sabemos que teoricamente o Estado é um conjunto de instituições que se legitima pela lei, a qual por sua vez é universal, geral e abstracta. Ou seja, quem quer que tenha um cargo estatal é legitimado por uma ordem que está para além e acima de qualquer localismo regionalista. Trata-se de defender a res publica, quer dizer a coisa publica, o interesse geral, o bem comum...Ainda não estão a ver onde quero chegar, estou a ver.

Ninguém, para além de uns quantos bloggers,deu uma especial atenção,no meio de tanto absurdo, mas um representante do Estado, o PGR, disse: 'Um beirão honesto não desiste, não se demite". Claro, se ele fosse um algarvio, um trasmontano ou um alentejano...seria outra coisa. Invocar o regionalismo clãnico (a ideia de que os beirões são todos da mesma estirpe é um raciocínio fortemente clãnico, ou seja a referência a um antepassado comum)para legitimar a continuidade num cargo estatal?... De facto, isto só traz ao de cima a verdade. Se calhar não era má ideia começar a fazer uma contabilidade da divisão social do trabalho nas instituições de Estado em função da origem regional dos que nelas ocupam cargos. Um 'outro mapa' de Portugal poderia elucidar-nos que no Porto dominam os trasmontanos e os minhotos e em Lisboa os Beirões e outros. E, já agora, que as famílias políticas têm três círculos de interesses que se sobrepõem: os do parentesco, os partidários e os regionais. Sendo o dinheiro e o poder as pulsões básicas. A isso se resume as mais das vezes a tal res publica, o interesse geral, o bem comum ou o que quer que seja que dê certo (glosando o último filme do Woody Allen).

E se... e se esta frase do PGR trouxesse 'água no bico'? É que o PGR utilizou o seu raciocínio clãnico num grau elevado. Ao referir-se a si próprio como um 'Beirão honesto' ele estava a distinguir-se, no clã dos beirões, dos beirões desonestos, ou seja, entenda-se, beirões que se passam por beirões sem o serem. E assim, podemos entender doutra maneira o PGR. Num Estado com tiques ditatoriais, os agentes estatais têm que usar uma linguagem cifrada para dizer o que pensam, escapando, assim, à censura interna. Ou seja, é possível que as técnicas que os jornalistas usavam no tempo da ditadura sejam agora usadas pelos próprios agentes estatais, cabendo aos jornalistas descodificar a linguagem cifrada daqueles. Claro que posso estar a exagerar na subtil inteligência subversiva do PGR mas podemos dar-lhe o benefício da dúvida. Cabe, assim, ao jornalismo de investigação (esta é mesmo para rir, entenda-se) descobrir, basicamente, o 'beirão desonesto', o beirão que não é beirão, que se fez passar por beirão tal como já se fez passar por muitas outras coisas. Vamos lá...não há-de ser difícil. É como jogar o Cluedo. O que o PGR deu foi mais uma pista. E já tínhamos tantas! Neste Verão...um licor beirão e vão ver que conseguem descobrir o que o PGR quis dizer afinal!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

cronicidades 6

Os 101 dias…

O filme é de suspensão social e política, a qual se abre a todas as excepções possíveis. Sabemos o início e o meio mas ainda não sabemos o fim da história. Sabemos que tudo começa com a Sedução e no meio há uma série de Sacrifícios e, portanto, alguns heróis. Com a história toda contada perceberemos o que aconteceu com um país e um povo que demora quase tanto tempo a fazer o luto de um regime autoritário quanto o tempo que ele durou.

O cenário é o da hipoteca económica de um país, que se torna o pretexto de uma hipoteca moral e política. Apresenta-se-nos a aceitação do abuso de poder, pelo medo da bancarrota, revelando um povo amordaçado, amarrado e sem valores morais e políticos… ou seja, a ausência de um povo.

O personagem principal é um cidadão que utiliza o poder de um órgão de soberania para elaborar um plano cujo objectivo é o de silenciar todos os outros poderes (o da sociedade civil e das corporações, o dos media, o judicial, o legislativo-presidencial, …) em favor do usufruto de mais poder. Estamos perante um plano simples de abuso de poder e um abuso do mandato de representação em que, a partir de um órgão de soberania, o tal protagonista utiliza o poder conferido por tal órgão para diminuir todos os outros poderes do Estado e da Sociedade. O espectador vai vislumbrando indícios de estar a ver mais um enredo palaciano, uma espécie de plano de golpe de Estado constitucional. Tal plano de abuso de poder configuraria um atentado ao Estado de Direito, um atentado ao próprio regime evidenciando a possibilidade de uma tirania, de um regime autoritário ou de um fascismo político. No entanto, por um lado, o regime estava gasto, o Estado exaurido economicamente, a sociedade cansada, por outro lado , o protagonista é simpático e faz bem de vitima. E o espectador vai dizendo, de si para si, que tal plano é um exagero…ou talvez não!

Ao longo da história vão-se contando não mais de meia-dúzia de heróis com consciência social, um número crescente de sacrificados por um lado, de desistentes e cépticos por outro, e uns poucos lutadores de segunda linha, esbracejantes, que se admiram todos os dias do Estado e do Povo impotente.

O espectador vai pensando que os representantes têm tão só um mandato de representação e ainda é possível, até ao fim da história, que os poderes estatais fragilizados, pela hipoteca económica, resistam a uma hipoteca moral e política do país e do povo. Mas essa interpretação dos valores do Regime tem de lutar contra a própria burocracia suspensiva estatal que, em si mesmo, faz parte do plano. Aos 101 dias o momento é o do clímax: o regime está em causa e, portanto, cabe ao representante do regime a Palavra.

Caso o Estado esteja demasiado fragilizado, talvez ainda seja possível que os espectadores deste filme finalmente percebam que a sua função não é a de votar de 4 em 4 anos e permanecer num estado zombie, alucinados pela sedução fílmica dos actores do poder, o resto do tempo. Se os poderes do Estado estiverem demasiados fragilizados, talvez seja possível que os espectadores se levantem das cadeiras e decidam de vez entrar no filme que pagam para ver. É bonito pensar na possibilidade da desobediência civil dos espectadores deste filme mau. Mas se tantos na fila da frente se sentaram a ver a filme, completamente seduzidos, não é fácil que os demais espectadores que estão na grande plateia se levantem. E depois pode ser já tarde demais!

E já vimos filmes destes!

domingo, 24 de janeiro de 2010

cronicidades 5

Novos contratos sociais?

O esperável acordo entre o PS e o CDS para a viabilização do Orçamento de Estado é, em si mesmo, um caso de estudo interessante. As politiquices de circunstância que possibilitarão tal serão muitas e, talvez, centrais. Mas, como cidadão, o que me parece pertinente é a possibilidade do encontro de dois modelos, aparentemente tão diferentes.

O PS, em princípio, defende um Estado forte e uma política económica neo-keynesiana, sustentada em obras públicas de peso (TGV; auto-estradas; aeroporto; etc) sem qualquer eficácia multiplicadora, hipotecando o país e, portanto, fragilizando o Estado. É este o paradoxo do PS.

Já o CDS, em princípio, defende um Estado mínimo e uma política económica neo-friedmaniana, sustentada nas pequenas e médias empresas...para as quais pedem o apoio do Estado. É este o paradoxo do CDS.

Um novo contrato social, de facto, implica novos papeis para o Estado e para a Sociedade Civil, porventura um Estado de Governação Civil ou/e uma Sociedade Política Organizada. É claro que isso é muito abstracto e é quase não dizer nada!

Os países pequenos como Portugal, no quadro das novas regiões globais (União Europeia)são aqueles em que o Estado mais facilmente se vê hipotecado pelos interesses de grandes empresas que o utilizam enquanto procuram sofregamente internacionalizar-se, ou seja, sair de Portugal. Tal situação implica um Estado forte, ou seja, que resista a essa hipoteca. Esta é a parte em que a verdadeira esquerda está certa. No entanto, nestes países pequenos (assemelhando, de certo modo, os países pós-catástrofe dos países à beira de uma catástrofe)o que se deve fazer é, antes de mais, dar sustentabilidade às forças endógenas, ou seja, às pequenas e médias empresas que constituem o tecido económico-empresarial. Quando as grandes empresas só têm sustentabilidade em negócios fora do país (ou seja criando desemprego), a única hipótese é considerar em cada português um empreendedor e potencial empregador. E é aqui que a Direita liberal tem razão. Ou seja, é necessário um Estado forte e decidido que tenha um papel de reabertura liberal da economia no quadro, obviamente, de uma regulação (trans-estatal, aliás) que impeça a bolha financeira. Tal implica, exactamente, uma focalização na economia real e, também, uma mudança, óbvia, da economia das infra-estruturas para uma economia das pessoas,da cultura, da ciência, das novas tecnologias e dos divertimento, enfim, uma economia quaternária!

O acordo entre o PS e o CDS para a viabilização do Orçamento de Estado é,provavelmente, resultado de uma séria de politiquices contingenciais que me escapam mas poderia também ser um sintoma-indício de uma necessária procura. Ver o acordo apenas na contingência das politiquices talvez impeça uma verdadeira análise do que ao menos deveria estar em causa: a busca de um novo modelo. No entanto, um novo modelo implica de tal maneira paradoxos internos no pensamento e estruturas partidárias que implicaria uma renovação da própria partidocracia em que estamos mergulhados e que é um dos maiores impedimentos a um novo contrato social, o tal Estado de Governação Civil ou/e uma Sociedade Política Organizada. De facto, as grandes empresas que sugam os últimos trocos de um Estado cada vez com mais problemas de liquidez, enquanto procuram contratos noutros países com mais liquidez, associado à apatia de uma sociedade civil que é considerada e se considera como mera reserva para a empregabilidade e não com potencial empreendedor e empregador próprio, é o caldo que leva à 'morte lenta' do país que as empresas de rating indicam ou para a 'terminação' nas palavras de Rui Zink em 'O Destino Turístico'.