Uma Nova Moeda...Global ? – I Parte
Não sou economista mas a Economia é uma Ciência Social, mesmo que muitos tenham querido fazer dela uma ciência exacta. O século XX é um século dividido entre a certeza da ‘determinação’ económica sobre a sociedade e a certeza do ‘controlo’ político sobre a economia. Se tal se sentiu desde o inicio do século XX, no final do século esta divisão tornou-se mais frenética quando ‘capital’ e ‘conhecimento’ encontram formas cada vez mais complexas de simbiose.
A genealogia de uma moeda é, porventura, sempre a mesma: uma qualquer garantia em trocas que se vai tornando num padrão de valor. O metal serviu durante muito tempo como essa garantia. No entanto, ela foi tornando-se mais abstracta, tornando-se uma garantia dada por uma instituição (com o papel-moeda, com o cheque, a letra, etc). A moeda é, assim, um padrão que se vai criando e se vai impondo num âmbito territorial administrado políticamente. A mudança do padrão-ouro para o padrão-dólar (com Bretton Woods em 1944 mas, de forma mais definitiva, em 1971) confirma uma predominância norte-americana face à economia em mundialização.
No entanto, a globalização acelerada a partir de meados dos anos 80 e ainda em processo de reordenação nos anos 90 e 2000, porventura pressupõe uma nova moeda, mais caracterizadora da mudança nas forças económico-financeiras actuais. Talvez o Euro não tenha sido mais que uma etapa neste caminho. Ainda que se consiga ultrapassar esta crise, as diversas moedas, nacionais e regionais, estão em ajuste face a um novo padrão em emergência. Os ratings sobre as dívidas soberanas que apenas se tornaram padrão global nos últimos 10 anos parecem indiciar a emergência de uma nova moeda. Os ratings sobre a dívida condicionam a capacidade de crédito, as possibilidades de transações externas e as suas características, a capitalização das instituições económicas internas a cada país, a circulação de moeda no interior da economia...Não é isso uma moeda? E se em 1980 só cerca de 10 países eram classificados pelos ratings, em 2006 eram já mais de 130 num total de países no planeta que é de cerca de 200. Tal situação deve ser suficiente para levar a alguma reflexão sociológica sobre o papel das agências de rating na produção de um novo padrão monetário global, seu contexto e consequências.
Quadro I
Fonte: Dilip Ratha, Prabal De and Sanket Mohapatra, 2007. Shadow Sovereign Ratings For Unrated Developing Countries, Development Prospects Group -World Bank, p. 5
quinta-feira, 19 de maio de 2011
quarta-feira, 11 de maio de 2011
Dar o salto ou 'ir a salto' 10
Gestão por objectivos e flexibilização do emprego...político
Começo por dizer que subscrevo muito do que é dito e escrito por muitos críticos mas... há um problema: raramente se trata de uma verdadeira crítica, uma vez que esta obriga a apresentação de cenários e soluções alternativas.
Vivemos, de facto, segundo um padrão de ‘faz de conta’. O ‘votante’ em preparação faz de conta que é ‘cidadão’, ou seja, que votar é o que lhe é exigido como cidadão político. Por sua vez, os ‘administradores’ continuam a ‘fazer de conta’ que são políticos e que conseguem, de facto, governar, ou seja que a política estatal é que controla a situação do país...
Este padrão do ‘faz de conta’ acaba na desculpabilização contínua de todos. Os ‘votantes’ passados uns meses repetem a ladaínha do ‘Se eu soubesse...’ ou pior no ‘Fomos enganados...’ num processo de auto-desresponsabilização em que a culpa é toda dos políticos e já não do seu voto. Os ‘administradores’, por sua vez, utilizam rapidamente uma outra ladaínha, a da ‘conjuntura internacional...’, a da ‘crise...’. E se tal não chega, ainda conseguem dizer: ‘a sociedade civil é fraca...’, ‘o português é pouco empreendedor...’ e outras parvoíces.
Quando percebemos que todos ‘fazem de conta’, o teatro deixa de fazer sentido. Torna-se necessário encontrar soluções e, para isso, é preciso transformar todos os votantes em cidadãos-políticos e todos os pretensos políticos em cidadãos reflexivos. E isso é tanto mais certo quando se está num país caracterizado pelo paradoxo da pequena grandeza: de cultura adaptável e economia local; de pensamento provinciano e ambição transnacional. É esta a nossa maior virtude...e a nossa maior desvantagem.
Quebrar com o padrão do ‘faz de conta’ é simples: faz-se pela gestão por objectivos e flexibilização do emprego...político. A primeira parte do trabalho já foi feita pela Troika. Finalmente há objectivos e metas e análise trimestral dos resultados. Isto devia dizer alguma coisa aos votantes que teimam em resistir em transformar-se em cidadãos! É verdade que é triste que haja estrangeiros a fiscalizar os objectivos que os nossos administradores atingem e nós, portugueses, não tenhamos uma oposição, uma comunicação social, uma ONG...o que quer que seja que o faça. Uma vez que todos estejamos conscientes de que os administradores não são mais que isso, os votantes tornam-se cidadãos, finalmente, responsáveis e activos. A solução está, assim, em despedir mais facilmente os políticos...que não cumpram os objectivos, claro! E isso só se faz mudando o sistema político. A responsabilização dos actos políticos não vai lá por decreto nem pela justiça. Já se viu!! Eu votarei num partido que queira mudar o sistema político e que torne, finalmente, os políticos, agentes ao serviço do Estado, ou seja, de todos nós! Mas se respondem à Troika de 3 em 3 meses, porque é que aos cidadãos só podem/querem responder de 4 em 4 anos!?
Começo por dizer que subscrevo muito do que é dito e escrito por muitos críticos mas... há um problema: raramente se trata de uma verdadeira crítica, uma vez que esta obriga a apresentação de cenários e soluções alternativas.
Vivemos, de facto, segundo um padrão de ‘faz de conta’. O ‘votante’ em preparação faz de conta que é ‘cidadão’, ou seja, que votar é o que lhe é exigido como cidadão político. Por sua vez, os ‘administradores’ continuam a ‘fazer de conta’ que são políticos e que conseguem, de facto, governar, ou seja que a política estatal é que controla a situação do país...
Este padrão do ‘faz de conta’ acaba na desculpabilização contínua de todos. Os ‘votantes’ passados uns meses repetem a ladaínha do ‘Se eu soubesse...’ ou pior no ‘Fomos enganados...’ num processo de auto-desresponsabilização em que a culpa é toda dos políticos e já não do seu voto. Os ‘administradores’, por sua vez, utilizam rapidamente uma outra ladaínha, a da ‘conjuntura internacional...’, a da ‘crise...’. E se tal não chega, ainda conseguem dizer: ‘a sociedade civil é fraca...’, ‘o português é pouco empreendedor...’ e outras parvoíces.
Quando percebemos que todos ‘fazem de conta’, o teatro deixa de fazer sentido. Torna-se necessário encontrar soluções e, para isso, é preciso transformar todos os votantes em cidadãos-políticos e todos os pretensos políticos em cidadãos reflexivos. E isso é tanto mais certo quando se está num país caracterizado pelo paradoxo da pequena grandeza: de cultura adaptável e economia local; de pensamento provinciano e ambição transnacional. É esta a nossa maior virtude...e a nossa maior desvantagem.
Quebrar com o padrão do ‘faz de conta’ é simples: faz-se pela gestão por objectivos e flexibilização do emprego...político. A primeira parte do trabalho já foi feita pela Troika. Finalmente há objectivos e metas e análise trimestral dos resultados. Isto devia dizer alguma coisa aos votantes que teimam em resistir em transformar-se em cidadãos! É verdade que é triste que haja estrangeiros a fiscalizar os objectivos que os nossos administradores atingem e nós, portugueses, não tenhamos uma oposição, uma comunicação social, uma ONG...o que quer que seja que o faça. Uma vez que todos estejamos conscientes de que os administradores não são mais que isso, os votantes tornam-se cidadãos, finalmente, responsáveis e activos. A solução está, assim, em despedir mais facilmente os políticos...que não cumpram os objectivos, claro! E isso só se faz mudando o sistema político. A responsabilização dos actos políticos não vai lá por decreto nem pela justiça. Já se viu!! Eu votarei num partido que queira mudar o sistema político e que torne, finalmente, os políticos, agentes ao serviço do Estado, ou seja, de todos nós! Mas se respondem à Troika de 3 em 3 meses, porque é que aos cidadãos só podem/querem responder de 4 em 4 anos!?
quinta-feira, 5 de maio de 2011
Dar o salto ou 'ir a salto' 8
Reprogramação ou reflexão autónoma e responsável?
Há duas receitas em concorrência em diferentes instituições, em diferentes pessoas e, mesmo, na mesma pessoa, numa espécie de esquizofrenia social que vai atravessando a nossa sociedade.
Uma das receitas, chamemos-lhe 'reprogramação', diz que...é preciso um chefe forte, que se imponha, nem que seja à custa da mentira, da arrogância, dos insultos e o que mais seja necessário. É preciso espírito de grupo, criado por motivação, humilhação ou subjugação. É preciso um programa rígido, de alta disciplina, desportista ou militarista, para fazer o que cada um nunca vai ser capaz de fazer por si mesmo. É preciso que cada um - e, em última análise, todos - sejam reprogramados para a 'felicidade' pois cada um nunca terá forças por si só nem para a definir nem para lutar por ela. E tudo isto deve ser feito, se possível, em regime de espectáculo, a relação social por excelência, com emoções ao rubro e, por isso, com algum risco físico e mental.
A outra das receitas, chamemos-lhe 'reflexão autónoma e responsável', diz antes que...é preciso incentivar a aprendizagem autónoma de cada um, a liberdade e a responsabilidade nas escolhas e a percepção informada dos riscos delas decorrentes. É importante a livre associação em grupos de pertença que derivem de tais escolhas e a livre circulação entre diversos grupos. Os grupos implicam valores focais diferenciados (emoção, trabalho, lazer,etc.) e é em função dessa autonomia responsável e livre de associação a grupos de valores diferenciados que cada um descobrirá ou inventará a sua própria felicidade, a qual estará enquadrada socialmente por aqueles grupos.
Cada uma das nossas esferas sociais, a educação, a saúde, a justiça, a política... parecem estar cindidas entre estas duas receitas. E cada um de nós, em situações diferentes ou em tempos diferentes, pode descobrir-se a pensar segundo uma ou outra das alternativas. Os reality-shows tipo Biggest Loser /Peso Pesado e hell's kitchen/Grande Chef são uma verdadeira socialização para o modelo de 'reprogramação' preparando em massa para um novo fascismo que pode bem ser mais fácil...agora com a televisão. A aceitação do insulto, da subjugação, da humilhação espectacular tem aderentes: 1% de Portugal (10.000 pessoas) concorreram ao Peso Pesado e o primeiro programa, no Domingo passado, teve o maior share da televisão e (como disse um médico) como 60% da população portuguesa tem excesso de peso...é natural a identificação com o programa. Estamos aqui perante um programa que é um verdadeiro 'programa' de biopolítica e em que todos os aspectos da vida humana, traduzidos e legitimados pelo peso, são controlados ao pormenor. E a infelicidade é ser expulso dele!
Os que acreditam na democracia, acreditam que temos tempo, que as coisas vão lá mas devagar, que às vezes é necessário gerações... Mas os que não acreditam ou só utilizam a democracia para os seus próprios fins preferem a 'reprogramação'. Infelizmente a população está a ser convertida, alegremente, à prisão da reprogramação. Como o Neo do Matrix diz, 'Bem vindos ao deserto do real'.
Há duas receitas em concorrência em diferentes instituições, em diferentes pessoas e, mesmo, na mesma pessoa, numa espécie de esquizofrenia social que vai atravessando a nossa sociedade.
Uma das receitas, chamemos-lhe 'reprogramação', diz que...é preciso um chefe forte, que se imponha, nem que seja à custa da mentira, da arrogância, dos insultos e o que mais seja necessário. É preciso espírito de grupo, criado por motivação, humilhação ou subjugação. É preciso um programa rígido, de alta disciplina, desportista ou militarista, para fazer o que cada um nunca vai ser capaz de fazer por si mesmo. É preciso que cada um - e, em última análise, todos - sejam reprogramados para a 'felicidade' pois cada um nunca terá forças por si só nem para a definir nem para lutar por ela. E tudo isto deve ser feito, se possível, em regime de espectáculo, a relação social por excelência, com emoções ao rubro e, por isso, com algum risco físico e mental.
A outra das receitas, chamemos-lhe 'reflexão autónoma e responsável', diz antes que...é preciso incentivar a aprendizagem autónoma de cada um, a liberdade e a responsabilidade nas escolhas e a percepção informada dos riscos delas decorrentes. É importante a livre associação em grupos de pertença que derivem de tais escolhas e a livre circulação entre diversos grupos. Os grupos implicam valores focais diferenciados (emoção, trabalho, lazer,etc.) e é em função dessa autonomia responsável e livre de associação a grupos de valores diferenciados que cada um descobrirá ou inventará a sua própria felicidade, a qual estará enquadrada socialmente por aqueles grupos.
Cada uma das nossas esferas sociais, a educação, a saúde, a justiça, a política... parecem estar cindidas entre estas duas receitas. E cada um de nós, em situações diferentes ou em tempos diferentes, pode descobrir-se a pensar segundo uma ou outra das alternativas. Os reality-shows tipo Biggest Loser /Peso Pesado e hell's kitchen/Grande Chef são uma verdadeira socialização para o modelo de 'reprogramação' preparando em massa para um novo fascismo que pode bem ser mais fácil...agora com a televisão. A aceitação do insulto, da subjugação, da humilhação espectacular tem aderentes: 1% de Portugal (10.000 pessoas) concorreram ao Peso Pesado e o primeiro programa, no Domingo passado, teve o maior share da televisão e (como disse um médico) como 60% da população portuguesa tem excesso de peso...é natural a identificação com o programa. Estamos aqui perante um programa que é um verdadeiro 'programa' de biopolítica e em que todos os aspectos da vida humana, traduzidos e legitimados pelo peso, são controlados ao pormenor. E a infelicidade é ser expulso dele!
Os que acreditam na democracia, acreditam que temos tempo, que as coisas vão lá mas devagar, que às vezes é necessário gerações... Mas os que não acreditam ou só utilizam a democracia para os seus próprios fins preferem a 'reprogramação'. Infelizmente a população está a ser convertida, alegremente, à prisão da reprogramação. Como o Neo do Matrix diz, 'Bem vindos ao deserto do real'.
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