Reprogramação ou reflexão autónoma e responsável?
Há duas receitas em concorrência em diferentes instituições, em diferentes pessoas e, mesmo, na mesma pessoa, numa espécie de esquizofrenia social que vai atravessando a nossa sociedade.
Uma das receitas, chamemos-lhe 'reprogramação', diz que...é preciso um chefe forte, que se imponha, nem que seja à custa da mentira, da arrogância, dos insultos e o que mais seja necessário. É preciso espírito de grupo, criado por motivação, humilhação ou subjugação. É preciso um programa rígido, de alta disciplina, desportista ou militarista, para fazer o que cada um nunca vai ser capaz de fazer por si mesmo. É preciso que cada um - e, em última análise, todos - sejam reprogramados para a 'felicidade' pois cada um nunca terá forças por si só nem para a definir nem para lutar por ela. E tudo isto deve ser feito, se possível, em regime de espectáculo, a relação social por excelência, com emoções ao rubro e, por isso, com algum risco físico e mental.
A outra das receitas, chamemos-lhe 'reflexão autónoma e responsável', diz antes que...é preciso incentivar a aprendizagem autónoma de cada um, a liberdade e a responsabilidade nas escolhas e a percepção informada dos riscos delas decorrentes. É importante a livre associação em grupos de pertença que derivem de tais escolhas e a livre circulação entre diversos grupos. Os grupos implicam valores focais diferenciados (emoção, trabalho, lazer,etc.) e é em função dessa autonomia responsável e livre de associação a grupos de valores diferenciados que cada um descobrirá ou inventará a sua própria felicidade, a qual estará enquadrada socialmente por aqueles grupos.
Cada uma das nossas esferas sociais, a educação, a saúde, a justiça, a política... parecem estar cindidas entre estas duas receitas. E cada um de nós, em situações diferentes ou em tempos diferentes, pode descobrir-se a pensar segundo uma ou outra das alternativas. Os reality-shows tipo Biggest Loser /Peso Pesado e hell's kitchen/Grande Chef são uma verdadeira socialização para o modelo de 'reprogramação' preparando em massa para um novo fascismo que pode bem ser mais fácil...agora com a televisão. A aceitação do insulto, da subjugação, da humilhação espectacular tem aderentes: 1% de Portugal (10.000 pessoas) concorreram ao Peso Pesado e o primeiro programa, no Domingo passado, teve o maior share da televisão e (como disse um médico) como 60% da população portuguesa tem excesso de peso...é natural a identificação com o programa. Estamos aqui perante um programa que é um verdadeiro 'programa' de biopolítica e em que todos os aspectos da vida humana, traduzidos e legitimados pelo peso, são controlados ao pormenor. E a infelicidade é ser expulso dele!
Os que acreditam na democracia, acreditam que temos tempo, que as coisas vão lá mas devagar, que às vezes é necessário gerações... Mas os que não acreditam ou só utilizam a democracia para os seus próprios fins preferem a 'reprogramação'. Infelizmente a população está a ser convertida, alegremente, à prisão da reprogramação. Como o Neo do Matrix diz, 'Bem vindos ao deserto do real'.
quinta-feira, 5 de maio de 2011
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