'A hora exige tudo de todos'
A comemoração do 25 de Abril com os 4 Presidentes foi um momento histórico. A reflexividade de viva voz, sobre o caminho feito (Mário Soares e Ramalho Eanes), sobre as responsabilidades e os desafios da conjuntura presente (Cavaco Silva) e sobre o futuro (Jorge Sampaio), é fundamental. O significado do momento foi, antes de mais, o de um balanço do nosso sistema político. E esse balanço que se inaugurou ontem deve ser repetido não só anualmente mas multiplicado em reflexividades em todas as instâncias políticas, institucionais e sociais. A soberania, enquanto vontade geral de um povo, está em causa e tal implica que todas as gerações de portugueses, dentro e fora de Portugal, se unam para repensar e reinventar Portugal.
A fórmula da reflexividade coloca cada um em dois tempos: o da sua acção e o da distância face à mesma. Mário Soares (o único de cravo ao peito) fez um discurso didáctico sobre o caminho percorrido mas referiu também, como Europeísta e face ao momento actual, a ausência da Europa e dos seus lideres. Ramalho Eanes, que viu o sistema partidário estabilizar-se, lembrou a responsabilidade dos políticos e disse haver quatro desafios partidários por realizar: o desburocratizar; o conter dos excesso ideológicos; o abrir dos partidos ou 'despartidarizar' e o descentralizar. Cavaco Silva, que criou a fórmula para poder dizer a várias vozes o que não poderia dizer sozinho, teve um discurso institucional face ao presente e à necessidade de plataformas de entendimento. No entanto, quanto a mim, o discurso do desafio maior foi o de Jorge Sampaio. Este foi o discurso virado para o futuro. O que nos disse foi que 'É tempo de mudarmos todos radicalmente', de 'renovar a democracia', de 'tornar a democracia mais viva, mais presente e mais participativa'. Enfim, disse que 'a hora exige tudo de todos'.
Depois deste momento resta-nos repetir a fórmula e repensar Portugal. Nos nossos partidos e associações, nas nossas universidades, nas nossas escolas, nos nossos encontros entre amigos e em família e sempre como cidadãos, cabe-nos pensar, antes de mais, o sistema político que temos. Qual a abertura ao pensamento independente? Qual a abertura à discussão de ideias? Qual a abertura à verdadeira reflexividade? E que peso pode ter tal pensamento e discussão na acção política?
Para além, e antes deste momento, já vários dos nossos 'senadores' vinham dando avisos à navegação. Jorge Miranda disse que o sistema partidário está comatoso, António Barreto referiu a ditadura obscena dos chefes partidários.... Creio que foi o próprio Mário Soares que disse que a renovação só pode vir de fora para dentro. De facto,não se vislumbra nas referências que se vão fazendo a possíveis programas eleitorais dos diversos partidos qualquer referência à reforma do sistema político. A preocupação dos partidos é de curto prazo e táctica. Mas a verdade é que parece nem sequer serem precisos programas políticos para que muitos dos portugueses já tenham escolhido em quem votar. As sondagens referem escolhas feitas mesmo sem qualquer partido ter apresentado o seu programa! É nisto em que se transformou a nossa democracia: uma venda de imagens, uma forma sem qualquer conteúdo, enfim uma completa ausência de reflexão para a qual contribuem continuamente os meios de comunicação.
Convinha que o momento histórico criado pela comemoração deste 25 de Abril fosse o princípio do fim da partidocracia em que caímos, o princípio do fim da ausência de relação entre os partidos e os cidadãos, o princípio do fim da alienação de imagens e formas que se sobrepõem à verdadeira discussão de ideias e reflexão. Mas para isso é preciso mudar o sistema político, abrir o campo da política à cidadania. Os independentes nas listas partidárias, as petições públicas, os referendo locais... que impacto têm, para que servem? É preciso ir muito além do folclore de cidadania que o sistema consegue de forma fácil e alegremente digerir. Tal folclore serve para afastar os cidadãos que o conseguem desconstruir e serve para a classe política dizer que a sociedade civil é frágil. Mas que tal se tentarem propor outras formas? Os círculos uninominais, as candidaturas independentes à Assembleia da República... Não é necessário considerar tais propostas como dogmas a aceitar ou a rejeitar de imediato mas é preciso urgentemente uma cidadania política e tal precisa de espaços de reflexão. O problema é que os programas políticos dos partidos (ao menos do que se vai perspectivando) estão muito longe destas preocupações.
terça-feira, 26 de abril de 2011
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