sexta-feira, 27 de novembro de 2009

cronicidades1

Discutir o Instituto do Casamento numa Perspectiva Antropológica
Por Paulo Castro Seixas


A legislatura que agora se inaugura vem propor o casamento de pessoas do mesmo sexo. Tal surge no Programa de Governo propondo “Remover as barreiras jurídicas à realização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo” (Programa do Governo). Esta proposta governamental visa a igualdade de pessoas perante a lei independentemente da sua orientação sexual e alguns referem mesmo que é uma questão de direitos humanos.

De facto, a Constituição Portuguesa, inclui no capítulo de Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais, artº 36, alínea 1: “Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.”. Ora, o que se propõe o Programa de Governo é a discussão do instituto do casamento, abrindo-o a novas combinações. E tal implica uma discussão antropológica sobre os tipos de casamento de uma forma ampla. Se a discriminação por orientação sexual não é aceitável, tão pouco é aceitável, numa Europa que se quer intercultural, a discriminação em função do vínculo cultural…ou, se quiserem seguir a Constituição à letra, da religião de cada um.

Ora, uma das principais, senão mesmo a principal diferença ao nível planetário no instituto do casamento é a que se estabelece entre casamento monogâmico e casamento poligâmico. Se a monogamia se refere à união de duas pessoas, tipicamente de sexos diferentes mas não necessariamente, a poligamia é a união entre uma pessoa de um sexo com várias de outro sexo, sendo a poligamia poligénica o casamento entre um homem e várias mulheres e a poligamia poliândrica o casamento de um mulher com vários homens.

É relativamente difícil aceder-se a estatísticas certas sobre esta questão. No entanto, no Ethnographic Atlas Codebook , criado a partir do Atlas Etnográfico (1981) de George Peter Murdock, o qual analisou a composição marital em 1231 sociedades, de 1960 a 1980, 186 sociedades eram monogâmicas, 453 tinham poligenia ocasional, 588 tinham poligenia frequente e 7 tinham poliandria (New World Enciclopedia). O maior número de países que aceitam a poligamia encontra-se na África e Sul e Sudeste da Ásia (ver mancha verde no mapa acima).

Normalmente relaciona-se a poligamia com outras culturas e religiões, minoritárias no Ocidente. No entanto a poligamia foi e é aceite entre cristãos também. A Biblia revela vários casos de poligamia e os mormons foram, talvez, os mais conhecidos cristãos a terem aceite a poligamia. No entanto, recentemente a poligamia cristã levou mesmo à criação de um movimento, pela organização Truthbearer (TruthBearer.org) em que se defende o casamento polígamo cristão.

Podemos pensar que o casamento polígamo não se insere na cultura Europeia e que, por isso, não deve ser considerado. Em relação a tal argumento, pode-se dizer que, por um lado, o casamento típico na Europa já não é o monogâmico mas sim o monogâmico sucessivo. Ou, se se quiser, pode-se dizer que somos poligâmicos se considerarmos o tempo de vida de cada um. Por outro lado, a Europa não está fechada ao mundo. A população muçulmana tem aumentado no mundo Ocidental e, com ela, a poligamia. Há referências a cerca de 2.000 homens polígamos no Reino Unido, 15 a 20 mil haréns na Itália, 30.000 haréns na França e 50 a 100.000 polígamos nos Estados Unidos (http://www.danielpipes.org/6022/westerners-welcome-harems). De facto, a poligamia tem tido avanços de facto e de jure em culturas Ocidentais. Em Sydney o Imã Khalil Chami é chamado semanalmente para realizar casamentos polígamos e em Toronto o Imã Aly Hindy já realizou mais de 30 casamentos deste tipo. Ao nível jurídico, pelo menos seis países de cultura ocidental (Holanda, Bélgica, Itália, Reino Unido, Austrália, Canadá), aceitam os casamentos polígamos desde que celebrados em países em que tal casamento seja legal (http://www.danielpipes.org/6022/westerners-welcome-harems). Tal significa que qualquer ocidental pode já casar-se seguindo o instituto polígamo do casamento num país em que tal seja permitido e depois viver num país ocidental sem incorrer em bigamia. Por outro lado, The Brussels Journal noticiou em 2005 o primeiro casamento de um homem com duas mulheres na Holanda, o primeiro país onde o casamento de pessoas do mesmo sexo foi permitido (http://www.brusselsjournal.com/node/301).

Para além dos argumentos políticos relativos à não discriminação segundo o vínculo cultural e de abertura ao mundo por parte da Europa para discutir o instituto do casamento não apenas numa perspectiva de permitir o casamento de pessoas do mesmo sexo mas também a poligamia, poder-se-ia mesmo acrescentar alguns argumentos de carácter científico. O casamento polígamo está associado a culturas em que a relevância social dos idosos é grande e o acesso a recursos económicos é diminuto, criando uma adaptação sócio-cultural mais adequada para famílias extensas dirigidas por um patriarca ou matriarca. Este tipo de famílias extensas possibilita uma divisão social do trabalho mais resiliente em situação de crise, pois é passível de subsistir com o trabalho por conta doutrem apenas de alguns dos seus membros. Segundo um estudo da Universidade de Sheffield, homens e mulheres de 140 países que praticam a poligamia têm uma esperança de vida maior do que os homens e mulheres de 49 dos países tipicamente monogâmicos (New Scientist, 19 de Agosto de 2008). Apesar da incerteza ser grande, este inicio de século na Europa, e no Ocidente em geral, parece não colocar de parte um cenário em que o instituto polígamo do casamento possa ser bem mais adaptativo do que o instituto monogâmico. Neste sentido ele deve pelo menos ser discutido abertamente e não simplesmente silenciado de forma dogmática.

Assim, num momento em que Portugal se encontra decidido a seguir (como é costume) outros países europeus, seria bom que pudesse também, por uma vez, discutir de forma mais ampla o que está em causa. Assim como não é preciso ser homosexual para aceitar o casamento entre homosexuais, tão pouco é preciso ser polígamo para aceitar que a poligamia seja possível. O problema, aliás, é que a poligamia parece já ser possível para alguns, mesmo que não se saiba ou não se queira, simplesmente, saber.

Portanto, se acham que sim, não deixem de aderir à causa 'Pelo Casamento Polígamo': http://apps.facebook.com/causes/399712

Sem comentários:

Enviar um comentário