sexta-feira, 27 de novembro de 2009

cronicidades2

Estado de Excepção
por Paulo Castro Seixas

Há 25 anos atrás, quando tive, na Universidade, Princípios Gerais de Direito, resolvi ‘subir nota’, o que tinha de ser feito numa ‘oral’ (prova oral). Fartei-me de estudar e quando cheguei lá, o Dr. José Leitão (no ISCSP) perguntou-me qual a utilidade do Direito para a Antropologia. Engasguei… a resposta não estava no livro. Lá subi a nota mas nunca fiquei satisfeito. 25 anos depois, folheio a Teoria Geral do Direito Civil de Carlos Mota Pinto. Procuro um capítulo ou subcapítulo sobre Excepções e nada. Refere-se que as nossas leis são gerais-abstractas e não seguem uma formulação casuística… Isto deve continuar a ensinar-se nas Faculdades de Direito mas um capítulo sobre a Teoria Geral da Casuística ou sobre A Teoria Geral da Excepção já fazia falta por estes tempos.

Dr. José Leitão eu propor-me-ia dissertar sobre este capítulo. Assim, de repente, talvez se pudesse propor alguns subcapítulos.

1. A excepção na produção legislativa. Temos aqui uma excepção temporal e uma excepção substancial. No caso da excepção temporal, por um lado as leis são feitas em função (e normalmente logo de seguida) a um caso concreto (tipicamente um político suspeito ou arguido). No entanto, com a evolução do direito, começa-se já a produzir uma espécie de direito preventivo, o que se poderia chamar excepção temporal preventiva, em que se tenta prever os casos concretos e produzir normas que os tornem inviáveis juridicamente. Quanto à excepção substancial, ela relaciona-se com os sujeitos e os objectos da lei.

2.1. A excepção em função do sujeito legal. Aqui teríamos pelo menos duas grandes excepções, ou seja dois ‘sujeitos excepcionais’: os que vão procurando estar acima da Lei e a aqueles que, não se considerando abrangidos pela Lei, vão lutando por inclusões na lei ou mesmo discriminações positivas. Parece, inclusive, haver uma correlação directa, ou seja, quanto mais discriminações positivas de minorias ou maiorias minorizadas, mais os que detêm o poder se discriminam positivamente também. É claro que tal leva a uma terceira excepção: a da própria Lei Geral que cada vez se aplica a uma franja da população que de facto se torna uma minoria. Uma espécie de curva de Gauss ao contrário!

2.2. A excepção em função do objecto legal. Entramos aqui na área da relação jurídica e no capítulo dos negócios jurídicos, um capítulo imenso. O ‘Interesse Nacional’ ou outros interesses ‘públicos’ legitimam a excepção de uma grande variedade de objectos legais de negócios do direito privado. A tipologia das normas em uso teria que ser feita mas suponho que dava um bom subcapítulo.

2. A excepção na aplicação jurídica das leis. A produção da casuística legal e da excepcionalidade é relativamente complexa pois mesmo no âmbito das leis gerais, cada vez mais se escondem ‘leis-medida’, ‘leis-providência’, ‘leis-provisão’ ou ‘leis-individuais’. É claro que tal só é possível perceber-se se se for um ‘sujeito excepcional’, capaz de contratar advogados excepcionais, peritos na análise de excepções formais ou substanciais.

Finalmente, uma Teoria Geral da Casuística e da Excepção levar-nos-ia a discutir um dos ‘princípios fundamentais do direito português’, enunciado da seguinte forma por Mota Pinto: “O princípio da igualdade perante a lei parece impor necessariamente a inconstitucionalidade de quaisquer normas de direito civil – ou de outros ramos do direito – que não sejam normas gerais. As normas aplicáveis a uma só situação ou a conjunto limitado de situações seriam normas inconstitucionais” (Mota Pinto, 1983: 78-79). Este princípio parece-nos cada vez mais obsoleto!

É claro que, de forma a criar um verdadeiro clima de excepcionalidade legal, há condições morais e sócio-políticas que não podemos descurar. Uma moralidade tipicamente mínima, liberal e, acima de tudo, focalizada na eficácia, por um lado, e a ignorância, a incompetência e, acima de tudo, a intencionalidade da excepcionalidade por outro têm que ser tidas em conta. Mas aí em vez de uma cadeira de Princípios Gerais de Direito teríamos de ter uma cadeira de Antropologia do Direito. Como Giorgio Agamben refere, no seu livro Estado de Excepção, este define-se como a suspensão geral da lei. Ou seja, num sentido jurídico uma ordem ainda existe… ainda que não seja uma ordem jurídica. Não será para aí que caminhamos?

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