Uma Nova Moeda...Global ? – I Parte
Não sou economista mas a Economia é uma Ciência Social, mesmo que muitos tenham querido fazer dela uma ciência exacta. O século XX é um século dividido entre a certeza da ‘determinação’ económica sobre a sociedade e a certeza do ‘controlo’ político sobre a economia. Se tal se sentiu desde o inicio do século XX, no final do século esta divisão tornou-se mais frenética quando ‘capital’ e ‘conhecimento’ encontram formas cada vez mais complexas de simbiose.
A genealogia de uma moeda é, porventura, sempre a mesma: uma qualquer garantia em trocas que se vai tornando num padrão de valor. O metal serviu durante muito tempo como essa garantia. No entanto, ela foi tornando-se mais abstracta, tornando-se uma garantia dada por uma instituição (com o papel-moeda, com o cheque, a letra, etc). A moeda é, assim, um padrão que se vai criando e se vai impondo num âmbito territorial administrado políticamente. A mudança do padrão-ouro para o padrão-dólar (com Bretton Woods em 1944 mas, de forma mais definitiva, em 1971) confirma uma predominância norte-americana face à economia em mundialização.
No entanto, a globalização acelerada a partir de meados dos anos 80 e ainda em processo de reordenação nos anos 90 e 2000, porventura pressupõe uma nova moeda, mais caracterizadora da mudança nas forças económico-financeiras actuais. Talvez o Euro não tenha sido mais que uma etapa neste caminho. Ainda que se consiga ultrapassar esta crise, as diversas moedas, nacionais e regionais, estão em ajuste face a um novo padrão em emergência. Os ratings sobre as dívidas soberanas que apenas se tornaram padrão global nos últimos 10 anos parecem indiciar a emergência de uma nova moeda. Os ratings sobre a dívida condicionam a capacidade de crédito, as possibilidades de transações externas e as suas características, a capitalização das instituições económicas internas a cada país, a circulação de moeda no interior da economia...Não é isso uma moeda? E se em 1980 só cerca de 10 países eram classificados pelos ratings, em 2006 eram já mais de 130 num total de países no planeta que é de cerca de 200. Tal situação deve ser suficiente para levar a alguma reflexão sociológica sobre o papel das agências de rating na produção de um novo padrão monetário global, seu contexto e consequências.
Quadro I
Fonte: Dilip Ratha, Prabal De and Sanket Mohapatra, 2007. Shadow Sovereign Ratings For Unrated Developing Countries, Development Prospects Group -World Bank, p. 5
quinta-feira, 19 de maio de 2011
quarta-feira, 11 de maio de 2011
Dar o salto ou 'ir a salto' 10
Gestão por objectivos e flexibilização do emprego...político
Começo por dizer que subscrevo muito do que é dito e escrito por muitos críticos mas... há um problema: raramente se trata de uma verdadeira crítica, uma vez que esta obriga a apresentação de cenários e soluções alternativas.
Vivemos, de facto, segundo um padrão de ‘faz de conta’. O ‘votante’ em preparação faz de conta que é ‘cidadão’, ou seja, que votar é o que lhe é exigido como cidadão político. Por sua vez, os ‘administradores’ continuam a ‘fazer de conta’ que são políticos e que conseguem, de facto, governar, ou seja que a política estatal é que controla a situação do país...
Este padrão do ‘faz de conta’ acaba na desculpabilização contínua de todos. Os ‘votantes’ passados uns meses repetem a ladaínha do ‘Se eu soubesse...’ ou pior no ‘Fomos enganados...’ num processo de auto-desresponsabilização em que a culpa é toda dos políticos e já não do seu voto. Os ‘administradores’, por sua vez, utilizam rapidamente uma outra ladaínha, a da ‘conjuntura internacional...’, a da ‘crise...’. E se tal não chega, ainda conseguem dizer: ‘a sociedade civil é fraca...’, ‘o português é pouco empreendedor...’ e outras parvoíces.
Quando percebemos que todos ‘fazem de conta’, o teatro deixa de fazer sentido. Torna-se necessário encontrar soluções e, para isso, é preciso transformar todos os votantes em cidadãos-políticos e todos os pretensos políticos em cidadãos reflexivos. E isso é tanto mais certo quando se está num país caracterizado pelo paradoxo da pequena grandeza: de cultura adaptável e economia local; de pensamento provinciano e ambição transnacional. É esta a nossa maior virtude...e a nossa maior desvantagem.
Quebrar com o padrão do ‘faz de conta’ é simples: faz-se pela gestão por objectivos e flexibilização do emprego...político. A primeira parte do trabalho já foi feita pela Troika. Finalmente há objectivos e metas e análise trimestral dos resultados. Isto devia dizer alguma coisa aos votantes que teimam em resistir em transformar-se em cidadãos! É verdade que é triste que haja estrangeiros a fiscalizar os objectivos que os nossos administradores atingem e nós, portugueses, não tenhamos uma oposição, uma comunicação social, uma ONG...o que quer que seja que o faça. Uma vez que todos estejamos conscientes de que os administradores não são mais que isso, os votantes tornam-se cidadãos, finalmente, responsáveis e activos. A solução está, assim, em despedir mais facilmente os políticos...que não cumpram os objectivos, claro! E isso só se faz mudando o sistema político. A responsabilização dos actos políticos não vai lá por decreto nem pela justiça. Já se viu!! Eu votarei num partido que queira mudar o sistema político e que torne, finalmente, os políticos, agentes ao serviço do Estado, ou seja, de todos nós! Mas se respondem à Troika de 3 em 3 meses, porque é que aos cidadãos só podem/querem responder de 4 em 4 anos!?
Começo por dizer que subscrevo muito do que é dito e escrito por muitos críticos mas... há um problema: raramente se trata de uma verdadeira crítica, uma vez que esta obriga a apresentação de cenários e soluções alternativas.
Vivemos, de facto, segundo um padrão de ‘faz de conta’. O ‘votante’ em preparação faz de conta que é ‘cidadão’, ou seja, que votar é o que lhe é exigido como cidadão político. Por sua vez, os ‘administradores’ continuam a ‘fazer de conta’ que são políticos e que conseguem, de facto, governar, ou seja que a política estatal é que controla a situação do país...
Este padrão do ‘faz de conta’ acaba na desculpabilização contínua de todos. Os ‘votantes’ passados uns meses repetem a ladaínha do ‘Se eu soubesse...’ ou pior no ‘Fomos enganados...’ num processo de auto-desresponsabilização em que a culpa é toda dos políticos e já não do seu voto. Os ‘administradores’, por sua vez, utilizam rapidamente uma outra ladaínha, a da ‘conjuntura internacional...’, a da ‘crise...’. E se tal não chega, ainda conseguem dizer: ‘a sociedade civil é fraca...’, ‘o português é pouco empreendedor...’ e outras parvoíces.
Quando percebemos que todos ‘fazem de conta’, o teatro deixa de fazer sentido. Torna-se necessário encontrar soluções e, para isso, é preciso transformar todos os votantes em cidadãos-políticos e todos os pretensos políticos em cidadãos reflexivos. E isso é tanto mais certo quando se está num país caracterizado pelo paradoxo da pequena grandeza: de cultura adaptável e economia local; de pensamento provinciano e ambição transnacional. É esta a nossa maior virtude...e a nossa maior desvantagem.
Quebrar com o padrão do ‘faz de conta’ é simples: faz-se pela gestão por objectivos e flexibilização do emprego...político. A primeira parte do trabalho já foi feita pela Troika. Finalmente há objectivos e metas e análise trimestral dos resultados. Isto devia dizer alguma coisa aos votantes que teimam em resistir em transformar-se em cidadãos! É verdade que é triste que haja estrangeiros a fiscalizar os objectivos que os nossos administradores atingem e nós, portugueses, não tenhamos uma oposição, uma comunicação social, uma ONG...o que quer que seja que o faça. Uma vez que todos estejamos conscientes de que os administradores não são mais que isso, os votantes tornam-se cidadãos, finalmente, responsáveis e activos. A solução está, assim, em despedir mais facilmente os políticos...que não cumpram os objectivos, claro! E isso só se faz mudando o sistema político. A responsabilização dos actos políticos não vai lá por decreto nem pela justiça. Já se viu!! Eu votarei num partido que queira mudar o sistema político e que torne, finalmente, os políticos, agentes ao serviço do Estado, ou seja, de todos nós! Mas se respondem à Troika de 3 em 3 meses, porque é que aos cidadãos só podem/querem responder de 4 em 4 anos!?
quinta-feira, 5 de maio de 2011
Dar o salto ou 'ir a salto' 8
Reprogramação ou reflexão autónoma e responsável?
Há duas receitas em concorrência em diferentes instituições, em diferentes pessoas e, mesmo, na mesma pessoa, numa espécie de esquizofrenia social que vai atravessando a nossa sociedade.
Uma das receitas, chamemos-lhe 'reprogramação', diz que...é preciso um chefe forte, que se imponha, nem que seja à custa da mentira, da arrogância, dos insultos e o que mais seja necessário. É preciso espírito de grupo, criado por motivação, humilhação ou subjugação. É preciso um programa rígido, de alta disciplina, desportista ou militarista, para fazer o que cada um nunca vai ser capaz de fazer por si mesmo. É preciso que cada um - e, em última análise, todos - sejam reprogramados para a 'felicidade' pois cada um nunca terá forças por si só nem para a definir nem para lutar por ela. E tudo isto deve ser feito, se possível, em regime de espectáculo, a relação social por excelência, com emoções ao rubro e, por isso, com algum risco físico e mental.
A outra das receitas, chamemos-lhe 'reflexão autónoma e responsável', diz antes que...é preciso incentivar a aprendizagem autónoma de cada um, a liberdade e a responsabilidade nas escolhas e a percepção informada dos riscos delas decorrentes. É importante a livre associação em grupos de pertença que derivem de tais escolhas e a livre circulação entre diversos grupos. Os grupos implicam valores focais diferenciados (emoção, trabalho, lazer,etc.) e é em função dessa autonomia responsável e livre de associação a grupos de valores diferenciados que cada um descobrirá ou inventará a sua própria felicidade, a qual estará enquadrada socialmente por aqueles grupos.
Cada uma das nossas esferas sociais, a educação, a saúde, a justiça, a política... parecem estar cindidas entre estas duas receitas. E cada um de nós, em situações diferentes ou em tempos diferentes, pode descobrir-se a pensar segundo uma ou outra das alternativas. Os reality-shows tipo Biggest Loser /Peso Pesado e hell's kitchen/Grande Chef são uma verdadeira socialização para o modelo de 'reprogramação' preparando em massa para um novo fascismo que pode bem ser mais fácil...agora com a televisão. A aceitação do insulto, da subjugação, da humilhação espectacular tem aderentes: 1% de Portugal (10.000 pessoas) concorreram ao Peso Pesado e o primeiro programa, no Domingo passado, teve o maior share da televisão e (como disse um médico) como 60% da população portuguesa tem excesso de peso...é natural a identificação com o programa. Estamos aqui perante um programa que é um verdadeiro 'programa' de biopolítica e em que todos os aspectos da vida humana, traduzidos e legitimados pelo peso, são controlados ao pormenor. E a infelicidade é ser expulso dele!
Os que acreditam na democracia, acreditam que temos tempo, que as coisas vão lá mas devagar, que às vezes é necessário gerações... Mas os que não acreditam ou só utilizam a democracia para os seus próprios fins preferem a 'reprogramação'. Infelizmente a população está a ser convertida, alegremente, à prisão da reprogramação. Como o Neo do Matrix diz, 'Bem vindos ao deserto do real'.
Há duas receitas em concorrência em diferentes instituições, em diferentes pessoas e, mesmo, na mesma pessoa, numa espécie de esquizofrenia social que vai atravessando a nossa sociedade.
Uma das receitas, chamemos-lhe 'reprogramação', diz que...é preciso um chefe forte, que se imponha, nem que seja à custa da mentira, da arrogância, dos insultos e o que mais seja necessário. É preciso espírito de grupo, criado por motivação, humilhação ou subjugação. É preciso um programa rígido, de alta disciplina, desportista ou militarista, para fazer o que cada um nunca vai ser capaz de fazer por si mesmo. É preciso que cada um - e, em última análise, todos - sejam reprogramados para a 'felicidade' pois cada um nunca terá forças por si só nem para a definir nem para lutar por ela. E tudo isto deve ser feito, se possível, em regime de espectáculo, a relação social por excelência, com emoções ao rubro e, por isso, com algum risco físico e mental.
A outra das receitas, chamemos-lhe 'reflexão autónoma e responsável', diz antes que...é preciso incentivar a aprendizagem autónoma de cada um, a liberdade e a responsabilidade nas escolhas e a percepção informada dos riscos delas decorrentes. É importante a livre associação em grupos de pertença que derivem de tais escolhas e a livre circulação entre diversos grupos. Os grupos implicam valores focais diferenciados (emoção, trabalho, lazer,etc.) e é em função dessa autonomia responsável e livre de associação a grupos de valores diferenciados que cada um descobrirá ou inventará a sua própria felicidade, a qual estará enquadrada socialmente por aqueles grupos.
Cada uma das nossas esferas sociais, a educação, a saúde, a justiça, a política... parecem estar cindidas entre estas duas receitas. E cada um de nós, em situações diferentes ou em tempos diferentes, pode descobrir-se a pensar segundo uma ou outra das alternativas. Os reality-shows tipo Biggest Loser /Peso Pesado e hell's kitchen/Grande Chef são uma verdadeira socialização para o modelo de 'reprogramação' preparando em massa para um novo fascismo que pode bem ser mais fácil...agora com a televisão. A aceitação do insulto, da subjugação, da humilhação espectacular tem aderentes: 1% de Portugal (10.000 pessoas) concorreram ao Peso Pesado e o primeiro programa, no Domingo passado, teve o maior share da televisão e (como disse um médico) como 60% da população portuguesa tem excesso de peso...é natural a identificação com o programa. Estamos aqui perante um programa que é um verdadeiro 'programa' de biopolítica e em que todos os aspectos da vida humana, traduzidos e legitimados pelo peso, são controlados ao pormenor. E a infelicidade é ser expulso dele!
Os que acreditam na democracia, acreditam que temos tempo, que as coisas vão lá mas devagar, que às vezes é necessário gerações... Mas os que não acreditam ou só utilizam a democracia para os seus próprios fins preferem a 'reprogramação'. Infelizmente a população está a ser convertida, alegremente, à prisão da reprogramação. Como o Neo do Matrix diz, 'Bem vindos ao deserto do real'.
terça-feira, 26 de abril de 2011
Dar o salto ou 'ir a salto' 7
'A hora exige tudo de todos'
A comemoração do 25 de Abril com os 4 Presidentes foi um momento histórico. A reflexividade de viva voz, sobre o caminho feito (Mário Soares e Ramalho Eanes), sobre as responsabilidades e os desafios da conjuntura presente (Cavaco Silva) e sobre o futuro (Jorge Sampaio), é fundamental. O significado do momento foi, antes de mais, o de um balanço do nosso sistema político. E esse balanço que se inaugurou ontem deve ser repetido não só anualmente mas multiplicado em reflexividades em todas as instâncias políticas, institucionais e sociais. A soberania, enquanto vontade geral de um povo, está em causa e tal implica que todas as gerações de portugueses, dentro e fora de Portugal, se unam para repensar e reinventar Portugal.
A fórmula da reflexividade coloca cada um em dois tempos: o da sua acção e o da distância face à mesma. Mário Soares (o único de cravo ao peito) fez um discurso didáctico sobre o caminho percorrido mas referiu também, como Europeísta e face ao momento actual, a ausência da Europa e dos seus lideres. Ramalho Eanes, que viu o sistema partidário estabilizar-se, lembrou a responsabilidade dos políticos e disse haver quatro desafios partidários por realizar: o desburocratizar; o conter dos excesso ideológicos; o abrir dos partidos ou 'despartidarizar' e o descentralizar. Cavaco Silva, que criou a fórmula para poder dizer a várias vozes o que não poderia dizer sozinho, teve um discurso institucional face ao presente e à necessidade de plataformas de entendimento. No entanto, quanto a mim, o discurso do desafio maior foi o de Jorge Sampaio. Este foi o discurso virado para o futuro. O que nos disse foi que 'É tempo de mudarmos todos radicalmente', de 'renovar a democracia', de 'tornar a democracia mais viva, mais presente e mais participativa'. Enfim, disse que 'a hora exige tudo de todos'.
Depois deste momento resta-nos repetir a fórmula e repensar Portugal. Nos nossos partidos e associações, nas nossas universidades, nas nossas escolas, nos nossos encontros entre amigos e em família e sempre como cidadãos, cabe-nos pensar, antes de mais, o sistema político que temos. Qual a abertura ao pensamento independente? Qual a abertura à discussão de ideias? Qual a abertura à verdadeira reflexividade? E que peso pode ter tal pensamento e discussão na acção política?
Para além, e antes deste momento, já vários dos nossos 'senadores' vinham dando avisos à navegação. Jorge Miranda disse que o sistema partidário está comatoso, António Barreto referiu a ditadura obscena dos chefes partidários.... Creio que foi o próprio Mário Soares que disse que a renovação só pode vir de fora para dentro. De facto,não se vislumbra nas referências que se vão fazendo a possíveis programas eleitorais dos diversos partidos qualquer referência à reforma do sistema político. A preocupação dos partidos é de curto prazo e táctica. Mas a verdade é que parece nem sequer serem precisos programas políticos para que muitos dos portugueses já tenham escolhido em quem votar. As sondagens referem escolhas feitas mesmo sem qualquer partido ter apresentado o seu programa! É nisto em que se transformou a nossa democracia: uma venda de imagens, uma forma sem qualquer conteúdo, enfim uma completa ausência de reflexão para a qual contribuem continuamente os meios de comunicação.
Convinha que o momento histórico criado pela comemoração deste 25 de Abril fosse o princípio do fim da partidocracia em que caímos, o princípio do fim da ausência de relação entre os partidos e os cidadãos, o princípio do fim da alienação de imagens e formas que se sobrepõem à verdadeira discussão de ideias e reflexão. Mas para isso é preciso mudar o sistema político, abrir o campo da política à cidadania. Os independentes nas listas partidárias, as petições públicas, os referendo locais... que impacto têm, para que servem? É preciso ir muito além do folclore de cidadania que o sistema consegue de forma fácil e alegremente digerir. Tal folclore serve para afastar os cidadãos que o conseguem desconstruir e serve para a classe política dizer que a sociedade civil é frágil. Mas que tal se tentarem propor outras formas? Os círculos uninominais, as candidaturas independentes à Assembleia da República... Não é necessário considerar tais propostas como dogmas a aceitar ou a rejeitar de imediato mas é preciso urgentemente uma cidadania política e tal precisa de espaços de reflexão. O problema é que os programas políticos dos partidos (ao menos do que se vai perspectivando) estão muito longe destas preocupações.
A comemoração do 25 de Abril com os 4 Presidentes foi um momento histórico. A reflexividade de viva voz, sobre o caminho feito (Mário Soares e Ramalho Eanes), sobre as responsabilidades e os desafios da conjuntura presente (Cavaco Silva) e sobre o futuro (Jorge Sampaio), é fundamental. O significado do momento foi, antes de mais, o de um balanço do nosso sistema político. E esse balanço que se inaugurou ontem deve ser repetido não só anualmente mas multiplicado em reflexividades em todas as instâncias políticas, institucionais e sociais. A soberania, enquanto vontade geral de um povo, está em causa e tal implica que todas as gerações de portugueses, dentro e fora de Portugal, se unam para repensar e reinventar Portugal.
A fórmula da reflexividade coloca cada um em dois tempos: o da sua acção e o da distância face à mesma. Mário Soares (o único de cravo ao peito) fez um discurso didáctico sobre o caminho percorrido mas referiu também, como Europeísta e face ao momento actual, a ausência da Europa e dos seus lideres. Ramalho Eanes, que viu o sistema partidário estabilizar-se, lembrou a responsabilidade dos políticos e disse haver quatro desafios partidários por realizar: o desburocratizar; o conter dos excesso ideológicos; o abrir dos partidos ou 'despartidarizar' e o descentralizar. Cavaco Silva, que criou a fórmula para poder dizer a várias vozes o que não poderia dizer sozinho, teve um discurso institucional face ao presente e à necessidade de plataformas de entendimento. No entanto, quanto a mim, o discurso do desafio maior foi o de Jorge Sampaio. Este foi o discurso virado para o futuro. O que nos disse foi que 'É tempo de mudarmos todos radicalmente', de 'renovar a democracia', de 'tornar a democracia mais viva, mais presente e mais participativa'. Enfim, disse que 'a hora exige tudo de todos'.
Depois deste momento resta-nos repetir a fórmula e repensar Portugal. Nos nossos partidos e associações, nas nossas universidades, nas nossas escolas, nos nossos encontros entre amigos e em família e sempre como cidadãos, cabe-nos pensar, antes de mais, o sistema político que temos. Qual a abertura ao pensamento independente? Qual a abertura à discussão de ideias? Qual a abertura à verdadeira reflexividade? E que peso pode ter tal pensamento e discussão na acção política?
Para além, e antes deste momento, já vários dos nossos 'senadores' vinham dando avisos à navegação. Jorge Miranda disse que o sistema partidário está comatoso, António Barreto referiu a ditadura obscena dos chefes partidários.... Creio que foi o próprio Mário Soares que disse que a renovação só pode vir de fora para dentro. De facto,não se vislumbra nas referências que se vão fazendo a possíveis programas eleitorais dos diversos partidos qualquer referência à reforma do sistema político. A preocupação dos partidos é de curto prazo e táctica. Mas a verdade é que parece nem sequer serem precisos programas políticos para que muitos dos portugueses já tenham escolhido em quem votar. As sondagens referem escolhas feitas mesmo sem qualquer partido ter apresentado o seu programa! É nisto em que se transformou a nossa democracia: uma venda de imagens, uma forma sem qualquer conteúdo, enfim uma completa ausência de reflexão para a qual contribuem continuamente os meios de comunicação.
Convinha que o momento histórico criado pela comemoração deste 25 de Abril fosse o princípio do fim da partidocracia em que caímos, o princípio do fim da ausência de relação entre os partidos e os cidadãos, o princípio do fim da alienação de imagens e formas que se sobrepõem à verdadeira discussão de ideias e reflexão. Mas para isso é preciso mudar o sistema político, abrir o campo da política à cidadania. Os independentes nas listas partidárias, as petições públicas, os referendo locais... que impacto têm, para que servem? É preciso ir muito além do folclore de cidadania que o sistema consegue de forma fácil e alegremente digerir. Tal folclore serve para afastar os cidadãos que o conseguem desconstruir e serve para a classe política dizer que a sociedade civil é frágil. Mas que tal se tentarem propor outras formas? Os círculos uninominais, as candidaturas independentes à Assembleia da República... Não é necessário considerar tais propostas como dogmas a aceitar ou a rejeitar de imediato mas é preciso urgentemente uma cidadania política e tal precisa de espaços de reflexão. O problema é que os programas políticos dos partidos (ao menos do que se vai perspectivando) estão muito longe destas preocupações.
segunda-feira, 25 de abril de 2011
Dar o salto ou 'ir a salto'6
Boa Páscoa!
Para um laico desejar 'Boa Páscoa' pode soar estranho. Pelo menos a mim soava-me. Afinal a Páscoa é o momento do calvário e da crucificação de Cristo. Mesmo que a história termine, para quem tem fé, pelo melhor, com a ressurreição, sentia sempre um certo incómodo indizível em desejar 'Boa Páscoa'. Mas, reflectindo bem, é adequado desejarmos 'Boa Páscoa' e é isso que desejo a todos. A Páscoa é, talvez, o mais importante dos rituais cristãos. No entanto, mais que isso, é um ritual que se relaciona com outras religiões e, mesmo, com a religião como um campo social específico, o campo de 'religare', o dos poucos elementos da Vida que nos ligam a todos.
Pessach, a palavra hebraica para Páscoa significa 'passagem' e poderá referir-se à passagem, há cerca de 3500 anos, do Senhor pelo Egito instruindo Moisés para salvar os primogénitos judeus do anjo da morte pelo sacrifício dos cordeiros e a marcação das portas com o seu sangue. Uma vez que tal momento levou à libertação do povo de Israel, Pessach é também a comemoração do êxodo dos israelitas do Egito da escravidão para a liberdade. E para a Terra Prometida. E, para além de tudo, Pessach é uma comemoração de 7 dias e, nesse sentido, é um ritual cosmogónico que remete para a criação do mundo. Pessach em Hebreu, Pascae em Latim, Paska em grego remete assim para o sacrifício, para a viagem, e para o renascimento em liberdade, noutro lugar.
Noutras coordenadas, os Celtas, na Europa Ocidental, pelo segundo milénio antes de Cristo, celebravam pela altura do equinócio da Primavera, o ciclo de morte e ressurreição da natureza, através da deusa Eostre ou Ostera (de onde vem a Easter anglo-saxónica e a Ostern germânica), deusa da fertilidade e abundância que é representada com um ovo, símbolo do nascimento, na mão e uma lebre, símbolo da fertilidade e também da Lua, no colo.
A Páscoa comemora-se na primeira semana a seguir à Lua Cheia que surge depois do equinócio da Primavera e é o ritual da renovação que, em última análise, liga os humanos e a natureza no que une as nossas histórias, o ciclo de nascimento, morte e renascimento. Neste tempo em que precisamos de 'luz crescente' e de renovação pois desejo a todos nós uma Boa Páscoa!
Para um laico desejar 'Boa Páscoa' pode soar estranho. Pelo menos a mim soava-me. Afinal a Páscoa é o momento do calvário e da crucificação de Cristo. Mesmo que a história termine, para quem tem fé, pelo melhor, com a ressurreição, sentia sempre um certo incómodo indizível em desejar 'Boa Páscoa'. Mas, reflectindo bem, é adequado desejarmos 'Boa Páscoa' e é isso que desejo a todos. A Páscoa é, talvez, o mais importante dos rituais cristãos. No entanto, mais que isso, é um ritual que se relaciona com outras religiões e, mesmo, com a religião como um campo social específico, o campo de 'religare', o dos poucos elementos da Vida que nos ligam a todos.
Pessach, a palavra hebraica para Páscoa significa 'passagem' e poderá referir-se à passagem, há cerca de 3500 anos, do Senhor pelo Egito instruindo Moisés para salvar os primogénitos judeus do anjo da morte pelo sacrifício dos cordeiros e a marcação das portas com o seu sangue. Uma vez que tal momento levou à libertação do povo de Israel, Pessach é também a comemoração do êxodo dos israelitas do Egito da escravidão para a liberdade. E para a Terra Prometida. E, para além de tudo, Pessach é uma comemoração de 7 dias e, nesse sentido, é um ritual cosmogónico que remete para a criação do mundo. Pessach em Hebreu, Pascae em Latim, Paska em grego remete assim para o sacrifício, para a viagem, e para o renascimento em liberdade, noutro lugar.
Noutras coordenadas, os Celtas, na Europa Ocidental, pelo segundo milénio antes de Cristo, celebravam pela altura do equinócio da Primavera, o ciclo de morte e ressurreição da natureza, através da deusa Eostre ou Ostera (de onde vem a Easter anglo-saxónica e a Ostern germânica), deusa da fertilidade e abundância que é representada com um ovo, símbolo do nascimento, na mão e uma lebre, símbolo da fertilidade e também da Lua, no colo.
A Páscoa comemora-se na primeira semana a seguir à Lua Cheia que surge depois do equinócio da Primavera e é o ritual da renovação que, em última análise, liga os humanos e a natureza no que une as nossas histórias, o ciclo de nascimento, morte e renascimento. Neste tempo em que precisamos de 'luz crescente' e de renovação pois desejo a todos nós uma Boa Páscoa!
quinta-feira, 21 de abril de 2011
Dar o salto ou 'ir a salto'5
M12M
A Geração à Rasca deu origem ao M12M, Movimento 12 de Março, apresentado a 20 de Abril, ontem, em frente ao Cinema S. Jorge em Lisboa. É ver: http://tvnet.sapo.pt/noticias/video_detalhes.php?id=66694
Esta é uma boa notícia. Significa que não estamos mortos, que há quem queira pensar. E quem esteja disposto a pensar 'out of the box'. E basta haver quem queira pensar de forma livre para que muita coisa possa mudar. Este movimento começa citando Saramago, evidenciando a vocação 'crítica' com a qual não poderia estar mais de acordo: "...o que verdadeiramente falta |...|é a capacidade de intervenção do cidadão em todas as circunstâncias da vida pública. Ou seja, fazer de cada cidadão um político.". O M12M pretende ir além da nossa já pouco útil democracia representativa e abrir caminho a uma democracia mais participativa, o caminho que se faz caminhando da democracia representativa para uma democracia que se deseja o mais direta possível.
Neste país a independência de pensamento e de intervenção políticas é praticamente impossível. Os independente ou são votados à indiferença ou mesmo ao ridículo da impotência de vozes no deserto ou, se valem alguns votos, são comprados pelo sistema. O cidadão está condenado à liberdade pela negativa do voto. A propaganda faz do voto um dever ao mesmo tempo que, com toda a demagogia possível, faz do cidadão um mero votante. Assim, é de louvar a energia de resistir de todos aqueles que procuram pensar de forma independente pretendendo ser, mais que votantes, cidadãos políticos!
A Geração à Rasca deu origem ao M12M, Movimento 12 de Março, apresentado a 20 de Abril, ontem, em frente ao Cinema S. Jorge em Lisboa. É ver: http://tvnet.sapo.pt/noticias/video_detalhes.php?id=66694
Esta é uma boa notícia. Significa que não estamos mortos, que há quem queira pensar. E quem esteja disposto a pensar 'out of the box'. E basta haver quem queira pensar de forma livre para que muita coisa possa mudar. Este movimento começa citando Saramago, evidenciando a vocação 'crítica' com a qual não poderia estar mais de acordo: "...o que verdadeiramente falta |...|é a capacidade de intervenção do cidadão em todas as circunstâncias da vida pública. Ou seja, fazer de cada cidadão um político.". O M12M pretende ir além da nossa já pouco útil democracia representativa e abrir caminho a uma democracia mais participativa, o caminho que se faz caminhando da democracia representativa para uma democracia que se deseja o mais direta possível.
Neste país a independência de pensamento e de intervenção políticas é praticamente impossível. Os independente ou são votados à indiferença ou mesmo ao ridículo da impotência de vozes no deserto ou, se valem alguns votos, são comprados pelo sistema. O cidadão está condenado à liberdade pela negativa do voto. A propaganda faz do voto um dever ao mesmo tempo que, com toda a demagogia possível, faz do cidadão um mero votante. Assim, é de louvar a energia de resistir de todos aqueles que procuram pensar de forma independente pretendendo ser, mais que votantes, cidadãos políticos!
quinta-feira, 14 de abril de 2011
Dar o salto ou 'ir a salto' 4
O mecanismo do bode expiatório e a violência mimética
Um dos mecanismos básicos de poder social é o do 'bode expiatório', muito relembrado nos últimos anos pela renomeação como 'bullying' e sua proliferação nas escolas. Deixando de lado especificidades, em termos sócio-antropológicos a coisa é simples: escolhe-se um alvo, exploram-se as suas fragilidades e propagandeia-se a sua culpa em relação a algo ou até, simplesmente, o seu repúdio. Se corre bem, consegue-se convencer muitos e, em alguns casos, o próprio aceita a sua culpa ou/e o seu próprio repúdio. No final celebra-se colectivamente a humilhação, a exclusão, enfim a morte, simbólica ou não, do bode expiatório como culpado de todo o mal acreditando-se numa renovação a partir daí. Se a coisa corre mal e a vítima não se aceita como tal, e consegue também reunir o seu séquito, pode entrar-se numa 'violência mimética' entre dois ou mais grupos que pode mesmo contaminar todos. Por vezes, se aparece um oponente mais forte estranho aos dois ou mais grupos que se guerreiam, estes podem juntar-se - às vezes apenas circunstancialmente - para se oporem a esse inimigo comum. Todos estes mecanismos se evidenciam no actual momento político, quer na arena central da política, quer no quotidiano, nas conversas que vão surgindo aqui e ali.
O mecanismo do 'bode expiatório' tornou-se central desde o início e continua a acompanhar e mesmo a estruturar a campanha eleitoral. Em resposta iniciou-se a 'violência mimética', ou seja, se Passos Coelho e o PSD são culpados da crise política, Sócrates e o PS são culpados da crise económica e social. Cada um chamou a malta do seu bairro e é vê-los entretidos na violência mimética de tal forma que pouco falam do oponente mais forte de toda esta brincadeira: os 'mercados', essa figura mítica e mágica que os economistas (esses feiticeiros modernos) inventaram, e os rituais das agências de rating que fazem com que a magia se torne real, ainda que nem os economistas a consigam explicar. De certo modo é natural: o monstro depois de criado ganhou autonomia ainda que não haja 'mãos invisíveis' mas pessoas e estratégias que, como em relação a 2008 , estou certo que serão descobertas mais tarde ou mais cedo. PS e PSD, no seu pragmatismo, deixaram de falar deste oponente maior que aí contínua a manter os juros da divida elevados, independentemente do 'resgate'. O Bloco e o PCP foram os únicos a falar desse oponente maior e da necessidade de o colocar em causa.
Pois o que me parece é que nos vamos entreter com os 'bodes expiatórios' internos e a 'violência mimética' enquanto o Deus 'Mercados' (um deus de muitas cabeças) vai exigir mais 'sacrifícios' porque não está satisfeito. E se também não está ainda satisfeito com a Irlanda e a Grécia, é porque os objectivos do Deus 'Mercados' são muito altos. O que quererá de nós, mortais, o Deus 'Mercados'?
Eu assinei a petição: A Relevância das Agências de Rating e o Risco de Abuso de Posição Dominante - http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=denuncia
E já agora, a propósito, se puderem leiam o livro do Rui Zink - Destino Turístico
Um dos mecanismos básicos de poder social é o do 'bode expiatório', muito relembrado nos últimos anos pela renomeação como 'bullying' e sua proliferação nas escolas. Deixando de lado especificidades, em termos sócio-antropológicos a coisa é simples: escolhe-se um alvo, exploram-se as suas fragilidades e propagandeia-se a sua culpa em relação a algo ou até, simplesmente, o seu repúdio. Se corre bem, consegue-se convencer muitos e, em alguns casos, o próprio aceita a sua culpa ou/e o seu próprio repúdio. No final celebra-se colectivamente a humilhação, a exclusão, enfim a morte, simbólica ou não, do bode expiatório como culpado de todo o mal acreditando-se numa renovação a partir daí. Se a coisa corre mal e a vítima não se aceita como tal, e consegue também reunir o seu séquito, pode entrar-se numa 'violência mimética' entre dois ou mais grupos que pode mesmo contaminar todos. Por vezes, se aparece um oponente mais forte estranho aos dois ou mais grupos que se guerreiam, estes podem juntar-se - às vezes apenas circunstancialmente - para se oporem a esse inimigo comum. Todos estes mecanismos se evidenciam no actual momento político, quer na arena central da política, quer no quotidiano, nas conversas que vão surgindo aqui e ali.
O mecanismo do 'bode expiatório' tornou-se central desde o início e continua a acompanhar e mesmo a estruturar a campanha eleitoral. Em resposta iniciou-se a 'violência mimética', ou seja, se Passos Coelho e o PSD são culpados da crise política, Sócrates e o PS são culpados da crise económica e social. Cada um chamou a malta do seu bairro e é vê-los entretidos na violência mimética de tal forma que pouco falam do oponente mais forte de toda esta brincadeira: os 'mercados', essa figura mítica e mágica que os economistas (esses feiticeiros modernos) inventaram, e os rituais das agências de rating que fazem com que a magia se torne real, ainda que nem os economistas a consigam explicar. De certo modo é natural: o monstro depois de criado ganhou autonomia ainda que não haja 'mãos invisíveis' mas pessoas e estratégias que, como em relação a 2008 , estou certo que serão descobertas mais tarde ou mais cedo. PS e PSD, no seu pragmatismo, deixaram de falar deste oponente maior que aí contínua a manter os juros da divida elevados, independentemente do 'resgate'. O Bloco e o PCP foram os únicos a falar desse oponente maior e da necessidade de o colocar em causa.
Pois o que me parece é que nos vamos entreter com os 'bodes expiatórios' internos e a 'violência mimética' enquanto o Deus 'Mercados' (um deus de muitas cabeças) vai exigir mais 'sacrifícios' porque não está satisfeito. E se também não está ainda satisfeito com a Irlanda e a Grécia, é porque os objectivos do Deus 'Mercados' são muito altos. O que quererá de nós, mortais, o Deus 'Mercados'?
Eu assinei a petição: A Relevância das Agências de Rating e o Risco de Abuso de Posição Dominante - http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=denuncia
E já agora, a propósito, se puderem leiam o livro do Rui Zink - Destino Turístico
Subscrever:
Mensagens (Atom)